"Por simplesmente existir" - Por Douglas Borges

domingo, 13 de junho de 2010 5 comentários

Sempre que venho a este lugar fico perturbado. Todas as lembranças se confundem, se perdem, se espalham e, logo, se reagrupam de forma a me deixar marcado para sempre. Todas aquelas luzes, a noite fria e molhada, tudo está presente nas marcas que rasgam a minha pele. São comuns os sonhos... Devia ter sido mais uma noite como outra qualquer, devia ter comprado mais cigarros e bebido um pouco mais. Talvez álcool diminuísse a dor, talvez...
- É amigo, pelo visto a noite foi boa...
- A noite é sempre boa, sempre amiga. Amigo – “Quem é você, otário?! Vai se fuder!! ”. Adoro minhas descargas mentais.
“Este é um bairro perigoso meu filho, você devia morar em outra Rua do Centro... Ou talvez afastado do centro”, alguém sabe me dizer o por quê da gente nunca escutar o que as mães tem a dizer? Mamãe é uma boa alma, boa mulher, boa até demais... Nunca me incomodei com o escuro. Mas aquela noite, aquele ultima travessa para chegar à rua do quartinho que alugo estava especialmente mal iluminada e úmida, chovia... Não. Na verdade caia aquele delicia de água que a gente quando criança aprende a chamá-la de “molha bobo”. Estava sendo um inverno bem úmido, não tão frio, mas bem úmido.
- Oi amigo! – “Mas que inferno, que dar pra mim, só pode... Porra, vai a merda!”
- Sim – Forcei um sorriso cortes. Porque eu tive que responder? Poderia ter seguido o meu caminho... Mas mamãe sempre me ensinou a manter a educação.
- Coisas estranhas acontecem com pessoas estranhas, jamais se esqueça disso – “Ótima hora para a sua filosofia de quinta, seu barrigudo asqueroso... Me chupa!”. Acho que eu já disse que eu adoro as minhas descargas cerebrais...
- Tudo bem, tenha uma boa noite senhor – Dei mais nove passos e pude ver o letreiro da padaria Cajamar brilhando em azul neon sobre um fundo vermelho.
“Finalmente em casa, oh graça! Porra de quartinho infestado de baratas. Eu não compro pão nessa padaria nem sob ameaça de morte. Se meu quarto fede a merda de baratas, o que não deve ter nesses pães?? Cala boca cérebro, cala a boca e anda...”
Meu ex-quartinho não era de todo ruim. Tinha uma bonita vista da Avenida Brasil, pelas manhãs o doce cheirinho dos pães invadia minhas narinas sem pedir licença. Tudo bem, que o calor dos fornos incomodava nas outras estações, mas nem tudo na vida são flores, eu sei bem. Morar a cima da Cajamar tinha seus truques, era uma boa localização.
A garoa que batia de leve nos meus ombros já encharcados começava a pesar. Atravessei a rua tranquilamente. Às 2hs da manhã nunca tem carros, buzinas, gente. “Aonde eu coloquei aquelas filhas de uma puta? Cadê, cadê, cadê... Achei...”.
Talvez se eu tivesse permanecido em pé para procurar as chaves... Mas eu estava pesado; a mochila estava pesada. Eu carregava de tudo ali dentro. Lembro que tinha um livro básico do Augusto Cury, um DVD da Beyoncé que nunca devolvi dois cadernos da faculdade, um livro laranja sobre a história da literatura brasileira, um caderninho de besteiras e escritas perigosas, o uniforme também laranja de onde trabalhei coisas para a minha higiene pessoal, meu mp3 com musicas da Lacrimosa e The Veronicas, meia barra de chocolate Alpino, num dos bolsos laterais várias embalagens de Chiclets que para não jogar nas ruas lá eu guardava, a conta de telefone e internet recém pagas e um cachecol branco com listras pretas que usai naquela mesma noite enquanto estava dentro do barzinho de esquina chamado Itabi. Sabia que tem um município no estado de Sergipe com esse mesmo nome? Pois é, eu também não fazia idéia...
- Eu te avisei para jamais esquecer!

...Tudo ficou turvo, eu estava próximo do chão e meu baque contra ele foi surdo. Senti a água da calçada na boca. Minha mochila ainda aberta esparramou algumas coisas quando caio do meu lado, três caixinhas amarelas de Chiclets ficaram a 20 cm de meu nariz. “Mas que porra é essa, o que está acontecen...” Meus pensamentos foram cortados com a dor que senti no estomago, não sabia, mas duas costelas tinham sido fraturas. Fui um senhor chute esse que eu recebi, fez-me virar de lado, contorcendo, gemendo, chorando...
- Mas que caralho! O que você esta fazendo comi...
- Cala boca seu merda! – engoli minhas palavras junto com lascas dos meus dentes frontais. Ele usava um coturno. Estranho porque eu não senti dor ou pelo menos não tive consciência dela... Meu nariz também foi quebrado devido à violência desse golpe; sangrei.
Num esforço para me levantar e fugir, eu senti o gosto de ferro na boca, algo quente começou a escorrer pela minha testa e fonte direita. Percebi a dor fina que vinha da parte superior do meu crânio, foi ali que eu recebi o primeiro golpe. O golpe que me fez ir ou chão pela primeira vez.
- Sabe por que você está sangrando? Hãn?!
- ...
Eu não podia falar, sinceramente não estava em condições, acho que vocês podem imaginar...
O soco de esquerda que acertou em cheio meu olho direito rasgou minha sobrancelha e estourou meu supercílio, também fez zunir o meu ouvido desse mesmo lado. Outro soco de direita fez-me voltar ao chão com os olhos voltados para a Avenida. “Onde está a porra policia da quando a gente precisa... Seus porcos de coturno era para vocês me protegerem!!”. Alguma coisa acertou meu tornozelo esquerdo e eu ouvi o barulho dos ossos e dos ligamentos se quebrando, senti uma dor impar nesse momento. Meu grito foi sufocado pela quantidade de sangue que escorria por meu nariz e boca, meu olho direito já não mais abria e estava inchado. O barrigudo de coturno me ergueu pelo capuz da minha blusa de frio, fiquei sem ar enquanto ele me mantinha nessa posição. Ele tentou pôr-me de pé, mas não conseguiu. Eu estava mole, fraco, dolorido. Então ele me socou novamente, primeiro no rim direito e depois no estomago.
Foi quando percebi que eu não gritei em nenhum momento. Não lutei pela minha vida... Por um instante eu me entreguei. Mas eu devia fazer alguma coisa, tinha que sobreviver.
Um metal gelado perfurou minhas costas logo abaixo das costelas, próximo a espinha, uma barra enferrujada foi transpassada pelo meu corpo,a mesma barra que quebrou meu tornozelo. Dois segundos depois eu vomitei sangue. Sua voz ofegante e excitada sussurrou no meu ouvido que ainda zunia pelo soco “Gente como você merece coisas piores do que eu estou fazendo...”. Fui arremessado na faixa central da rua. Meu corpo já desfalecido minava sangue que se misturava com a água da chuva. Pude ver o letreiro azul da Padaria Cajamar piscar em curtos antes que meu olho esquerdo começasse a se fechar...
- “Coisas estranhas acontecem com pessoas estranhas”. Eu te disse... – Ele disse, eu não me esqueci. Até hoje me lembro. Como humilhação final ele ainda cuspiu em mim, mas não senti aonde a cusparada acertou, talvez nem tenha acertado. Não faz diferença.
O fato é que ás 2hs da manhã nunca tem carros, buzinas, gente. Meu corpo quebrado tirava suas ultimas fotografias do mundo. Digo que sonho sempre com esse momento porque eu queria ter fumado um ultimo cigarro Carlton e bebido outra dose dubla de vodca barata no Itabi . Não sei quem era aquele homem...
Sei que morri por um crime de ódio. Por simplesmente existir.

Nota: Quero agradecer ao Rickee369 por ceder um pedacinho do Blog dele para postagem dessa coisa besta que eu escrevi no dia 21 de maio desse ano... Muito obrigado mesmo! Para mim é uma honra ter o meu primeiro texto publicado no seu Blog! E como um fiel leitor eu digo que:
Eu estou e sempre estarei por aqui:
Doug B!"

5 comentários:

  • Rickee369 disse...

    Douglas meu amigo via net.
    Gostei mito desse texto e eu que devia agradecer pois você estar estreando seus textos maravilhosos no meu blog ...
    Gostei muito dele e de uma realidade incomum, todos os pensamentos as falas estão em perfeita sintonia...
    Amigo queria de agradecer muito por esse texto gostei pra caramba e espero que todos gostem!!!
    Abraços.....

  • Anônimo disse...

    Henrique quem e esse seu amigo Douglas?
    Nossa ele e muito bom em texto gostei muito mesmo, senti toda a dor a cada palavra que ele escrevia....
    Esse texto e muito legal ....
    Parabéns pra ele e pra vc por ter descobrido esse talento primeiro.. rsrsrsrsrs
    BEIJOS PRA VOCÊS....
    RICKEE VAMOS! VIAJAR EBA!!!!

  • Douglas Borges disse...

    *.*
    Nossa muito obrigado gente. A primeira coisa que eu publico, graças ou Rickee, por que por mim mesmo jamais deixaria que isso fosse a publico.
    É muito bom saber que tem alguém lendo, muito obrigado. E obrigado Rickee por me 'emprestar' os seus leitores e críticos. Muito obrigado a todo mundo!

    flW!

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